A Suprema Corte depois de Kennedy
A aposentadoria do juiz que deu o voto de desempate em decisões críticas permite a Donald Trump conferir ao tribunal feições ainda mais con...
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A aposentadoria do juiz que deu o voto de desempate em decisões críticas permite a Donald Trump conferir ao tribunal feições ainda mais conservadoras O juiz Anthony Kennedy, que anunciou sua aposentadoria depois de 30 anos na Suprema Corte Reuters/Jonathan Ernst/Files A aposentadoria do juiz da Suprema Corte americana Anthony Kennedy deu ao presidente Donald Trump a oportunidade de provocar no país a maior transformação de seu primeiro mandato. A indicação de um juiz de perfil mais conservador que Kennedy poderá mudar a posição da Corte nos casos críticos em que ele votou com a metade liberal. Os principais envolvem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, pena de morte e prisão em solitária, ação afirmativa, leis ambientais e aborto. Kennedy foi indicado pelo republicano Ronald Reagan depois que o Senado recusou seu nome preferido, Robert Bork, numa batalha histórica. Seu perfil ideológico sempre foi difícil de classificar. No tribunal liberal então liderado por William Brennan, era visto como um voto conservador. Na corte de John Roberts que emergiu da presidência George W. Bush, foi em diversos casos o voto pendular decisivo. Desde 2010, Kennedy votou com a maioria em 92% dos casos (76% nos decididos por um voto) – embora sua média tenha caído para 84% no último ano, atrás de Roberts, com 87%. Na escala ideológica elaborada pelos pesquisadores Andrew Martin e Kevin Quinn, da Universidade do Michigan, Kennedy se aproximou da posição conservadora de Roberts no último ano, depois de votar com a maioria liberal 50% das decisões definidas por 5 a 4 ou 5 a 3 no ano anterior (a Suprema Corte tem nove juízes). Em 2016, Kennedy votou com a maioria liberal pela derrubada de leis que procuravam restringir o direito ao aborto no Texas. Neste ano, reviu sua posição tradicional contra políticas de ação afirmativa num caso envolvendo a Universidade do Texas. Mas apoiou o veto do governo Trump à entrada no país de viajantes de países específicos (quase todos de maioria muçulmana) e o direito de confeiteiros não fornecerem o bolo de casamento a um casal homossexual. Uma nova tentativa estadual de legislar a respeito do aborto poderia ter mais sucesso com um juiz conservador. Punições duras aos criminosos, como as solitárias (que hoje abrigam algo como 100 mil americanos), teriam chance de apoio num tribunal sem Kennedy. Embora contra as solitárias, ele sempre foi um voto decisivo confiável nas decisões favoráveis à pena de morte. Sua posição a favor do casamento gay decidiu dois casos históricos, de 2013 e 2015. “A esperança deles é não estar condenados a viver na solidão, excluídos de uma das instituições mais antigas da civilização. Pedem por dignidade igual aos olhos da lei”, escreveu. “A Constituição lhes garante tal direito.” Mesmo com um novo juiz mais conservador, é improvável que essa conquista dos homossexuais esteja ameaçada. Na legislação ambiental, Kennedy foi voto decisivo num caso sobre a poluição dos rios e noutro que obrigou o governo a determinar se emissões de gases causadores do efeito estufa oferecem risco à saúde ou ao clima. Há pouca chance de que um juiz indicado por Trump não seja mais simpático às indústrias poluidoras, de petróleo ou carvão. Em 14 dos 17 casos recentes em que seu voto definiu o resultado, Kennedy ficou com a maioria conservadora. Além de apoiar os confeiteiros e o veto aos viajantes, aprovou o redesenho de distritos eleitorais texanos, ainda que por critérios interpretados como raciais. Votou também pelo direito individual ao porte de armas, pelo enfraquecimento das limitações à identificação dos eleitores (impondo uma restrição indireta ao voto de negros e latinos) e contra qualquer limite ao financiamento privado de campanhas eleitorais, em nome do direito à liberdade de expressão. Nenhuma dessas decisões mudaria com um novo juiz de perfil conservador. Trump escolherá seu indicado numa lista de 25 nomes de juristas reunida na campanha eleitoral pela Federalist Society. A aprovação no Senado promete ser uma batalha mais dura que no ano passado, quando Neil Gorsuch ocupou a vaga aberta pela morte de Antonin Scalia em 2016. Senadores democratas não engolem até agora a recusa do líder republicano Mitch McConnell em sequer examinar o nome de Merrick Garland, indicado por Barack Obama para a vaga de Scalia, sob o argumento de que o debate sobre a Suprema Corte não deveria ser contaminado pela campanha eleitoral. Prometem revidar agora, bloqueando qualquer indicado por Trump. Para aprovar o nome de Gorsuch, Trump foi obrigado a lançar mão do que os senadores chamaram de “opção nuclear”: extinguir a exigência do voto de 60 dos 100 senadores para a aprovação. Gorsuch obteve 54 votos, com o apoio de três democratas. Novos indicados à Suprema Corte precisam agora de apenas 51 votos, exatamente o número de senadores republicanos. Dependendo do nome escolhido por Trump, nem todos esses votos estão garantidos. Os principais republicanos moderados, Susan Collins e Lisa Murkowski, já se opuseram a Trump na reforma da saúde e podem repetir a dose se o nome não agradar. Outros republicanos que resistem a Trump são Jeff Flake, John McCain e Dean Heller. Do lado democrata, os três senadores que apoiaram Gorsuch – Joe Manchin, Joe Donnelly e Heidi Heitkamp – já foram convidados por Trump para uma reunião na Casa Branca. Se a votação terminar empatada em 50 a 50, o voto de desempate caberá ao vice-presidente, Mike Pence. Não é um cenário descabido. A história americana é profícua em situações esdrúxulas. A maior delas foi sem dúvida protagonizada pelo próprio Kennedy no voto de desempate mais célebre que deu em seus 30 anos de tribunal: aquele que garantiu a vitória de George W. Bush sobre Al Gore nas eleições de 2000. Arte/G1
Fonte G1 > Mundo
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